No delicado cenário do Oriente Médio, Irã e Israel, as duas maiores potências militares da região, se atacam mutuamente, enquanto Trump retira os Estados Unidos do acordo nuclear com os iranianos, uma grande guerra estaria para explodir na região?
Por Patrick Cockburn (tradução de Hugo Albuquerque e Manuela Beloni)
Israel lançou seu maior ataque contra as forças iranianas na Síria e não há dúvidas de que isso é um desdobramento gravíssimo. No entanto, os variados e incontáveis relatos de um Oriente Médio à beira da guerra não nos ajudam a compreender, de forma plena, os motivos e intenções dos vários atores.
Se observado pelo ponto de vista israelense, este é um excelente momento para agir contra o Irã na Síria, pois uma resposta séria dele seria improvável.
Na sequência da retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, por Donald Trump, os iranianos querem mostrar ao resto do mundo, e particularmente aos europeus, que são os defensores confiáveis e pacíficos do tratado de 2015.
Essa fase pode não durar muito, e não significa que os iranianos acreditam realmente que a União Europeia (UE) manterá o acordo vivo. Mas eles querem mesmo garantir que a UE e outros Estados só cooperarão de forma relutante com a (eventual) retomada de sanções draconianas pelos Estados Unidos.
A economia iraniana vai continuar sendo afetada negativamente pelo temor que bancos e empresas multinacionais têm de uma possível punição pelo Tesouro norte-americano, mas o Irã não vai estar isolado política e economicamente como esteve antes de 2015.
Os israelenses não querem uma guerra maior com o Irã. O ministro da Defesa de Israel, Avigdor Lieberman, disse esperar que tenhamos encerrado esse capítulo e que todos tenham entendido a mensagem, acrescentando que Israel não pretende causar uma escalada no conflito.
De um simbolismo importantíssimo, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, estava voltando de Moscou, onde ele havia se encontrado com o presidente russo Vladimir Putin, enquanto a força aérea israelense estava fazendo os ataques dos quais os russos haviam sido previamente informados por Israel.
Netanyahu, evidentemente, queria afiançar a Putin que Israel, na verdade, está agindo contra o Irã e não tentando fazer uma tentativa desesperada para mudar o resultado da guerra na Síria, que com certeza está terminando com uma vitória do aliado russo Bashar al-Assad.
Os iranianos não demonstram esperar uma guerra com os Estados Unidos ou Israel, pelo menos em um futuro próximo, seja qual for a retórica beligerante saindo de Washington, Tel Aviv e Teerã.
Israel acusou o Exército de Guardiães da Revolução Islâmica do Irã de lançar vinte foguetes contra posições militares israelenses nas Colinas de Golã, isso no final da noite de quarta-feira, mas, mesmo se isso for confirmado, seria uma retaliação muito leve do Irã por ataques aéreos israelenses anteriores.
Como dito pelo vice-chefe do Exército de Guardiães, Brigadeiro Hossein Salami, na quinta-feira, os inimigos do Irã não estão buscando um confronto militar.
Eles querem pressionar nosso país através do isolamento econômico, disse ele, acrescentando que os europeus não têm poder para salvar o acordo sob o qual o Irã restringiu seu programa nuclear em troca de uma redução nas sanções.
As ameaças bélicas contra o Irã vindas de Israel e da Arábia Saudita podem estar levando a um mal-entendido. Líderes dos dois países podem estar ansiosos para que os Estados Unidos tenham um confronto militar com o Irã, mas preferem encorajar Trump à distância em vez de se envolverem pessoalmente em uma guerra.
Israel tem uma experiência sombria no passado por se envolver em uma guerra impossível de vencer no Líbano, entre 1982 e 2000. Desde 2015, a Arábia Saudita também vem sofrendo um fracasso semelhante no Iêmen.
Um ataque militar norte-americano contra o Irã pode de fato acontecer, embora não imediatamente. Mas se ele realmente ocorrer pode ser por consequência de uma falta de entendimento dos Estados Unidos quanto às opções reais disponíveis.
O mais palatável para a Casa Branca seria uma mudança de regime em Teerã. Por sinal, a aliança de lideranças do governo, como o Conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, com grupos de oposição iranianos no exílio, como o Mojahedin-e-Khalq, pode estar instigando ilusões sobre a probabilidade disso acontecer.
Em 2003, a oposição iraquiana incutiu, com êxito, ideias similares, em Washington e Londres sobre a situação política do Iraque antes da invasão liderada pelos Estados Unidos.
Trump pode, igualmente, seriludido sobre as possibilidades de sanções conduzirem o Irã a um “novo acordo nuclear” que, na verdade, seria uma rendição ditada pelos Estados Unidos.
Não restam dúvidas de que retomar as sanções será devastador para a economia iraniana, mas o Irã já sobreviveu a um cerco econômico mais oneroso no passado e, dessa vez, os cidadãos iranianos provavelmente vão culpar a intransigência dos EUA — mais até do que a de seus próprios líderes.
A única alternativa que restaria a Trump, sobretudo para impedir o Irã de enriquecer urânio, seria a ação militar — e é provável que os iranianos já voltem imediatamente a fazê-lo, uma vez que os próprios Estados Unidos implodiram o acordo que os proibia disso.
Pode ser que Israel participe dessa guerra, mas dificilmente isso é de seu interesse. Ataques aéreos contra instalações nucleares iranianas específicas são uma coisa, mas isso seria apenas o cenário de um primeiro dia de um longo conflito, o qual seria em grande parte travado por terra, com tropas no solo.
O Irã teria vantagem nesse cenário, uma vez que está do lado dos vencedores nas guerras da Síria e do Iraque
No Líbano, o trio formado por Israel, Estados Unidos e Arábia Saudita têm um bom exemplo dos problemas que eles teriam caso fracassassem,independentemente dos esforços determinados ao longo de trinta e seis anos para mudar o equilíbrio de poder contra o Irã e seu aliado o Hezbollah.
É bem provável que haja uma outra razão velada para que os líderes de Israel e da Arábia Saudita hesitem um pouco em se envolver em uma escalada da conflituosidade com o Irã, e que poderia levar a uma guerra real.
Israelenses e sauditas estão fascinados por terem uma administração em Washington que está seguindo a sua carruagem. Suas reivindicações mais propagandistas estão sendo repetidas pelo presidente.
Mas também deve ocorrer a eles que o Trump, embora no momento esteja inteiramente no corner, é imprevisível, temperamental e até mesmo mentalmente instável.
Trump gira entre o isolacionismo e o intervencionismo militar. Ele pode facilmente provocar uma crise com o Irã, da qual os Estados Unidos, de repente, se desconectem — algo como isso aconteceu com os curdos sírios no início do ano — ou ele poderia, num belo dia, tropeçar, juntamente com seus aliados em Tel Aviv e Riad, gerando uma guerra contra os iranianos por pura ignorância e erro de cálculo.