Qual o papel dos juristas no debate sobre o projeto de país nas eleições de 2018, e o que Direito pode fazer por um projeto de desenvolvimento nacional.
Por Karina Patrício
O debate sobre o futuro do país no cenário eleitoral de 2018 se perfila como de altíssimo conteúdo econômico. Também, pudera. A imposição de um programa neoliberal sem respaldo democrático, o qual tem trazido recessão, perda de direitos e entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro, tem ocasionado grandes questionamentos na esfera pública. Esse cenário leva, no jogo democrático, a um debate necessário sobre qual é o modelo de desenvolvimento que o Brasil deve adotar.
A crise de modelo de desenvolvimento em que nos encontramos já se arrasta por três décadas, desde o colapso do modelo desenvolvimentista a partir da crise da dívida latino-americana na década de 1980. Neste sentido, as eleições de 2018 podem definir o futuro do país por muito mais do que quatro anos, precipitando uma adesão prolongada a um neoliberalismo baseado na produção de commodities e na heterogeneidade estrutural ou, pelo contrário, abrindo as portas para a consolidação de um projeto de desenvolvimento com soberania, diversificação e inovação produtiva. Evidentemente, essa dicotomia também se traduz em um modelo de sociedade altamente desigual ou com crescentes níveis de igualdade de riqueza e renda.
Enquanto os economistas ocupam um lugar destacado nos debates neste conturbado cenário eleitoral de 2018, há um grupo que se destaca por sua ausência – o dos juristas. Num país onde o pacto constitucional foi pisoteado pelo golpe de 2016, num processo que vem desencadeando desconstruções institucionais em todos os âmbitos, levando inclusive à proscrição política do candidato com maior chance de ganhar as eleições, chama a atenção que os juristas não tenham, até o momento, adquirido nenhum protagonismo.
O que ocorre é que os juristas assumiram um papel bastante restritivo diante do que o atual momento da história brasileira exige. Eles têm se dividido em dois grupos antagônicos. De um lado, está o grupo que concebe o Direito como ferramenta de imposição do status quo, simbolizado pelos juízes e procuradores da Lava Jato, incluindo o TRF-4 e o STF (com algumas dissidências). Este é o grupo que joga na ofensiva pela imposição do projeto neoliberal, disposto a se valer de provas ilegais, condenações sem prova (inclusive do candidato com maior chance de ganhar a eleição) e todo tipo de irregularidade processual para perseguir suas finalidades políticas (e geopolíticas).
Instalou-se, neste grupo, uma tendência ao ativismo judicial que promove interpretações completamente discricionárias das normas, não amparadas por nenhum método interpretativo consagrado no Direito, pelo menos se aplicado de forma congruente com a jurisprudência comparada. De outro lado, temos um grupo de juristas que joga na defensiva contra essa ofensiva neoliberal, detectando e denunciando as irregularidades dos ritos constitucionais e penais cometidos pelos primeiros.
Embora a denúncia contra as violações à ordem jurídica existente e contra a instalação de um estado de exceção no país seja um ato louvável e importante, a restrição das atividades dos juristas a esta esfera coloca o Direito num papel secundário no debate público sobre um projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil. Visto somente como um conjunto de normas e ritualismos processuais, o Direito não parece capaz de realizar uma contribuição substancial nessa discussão.
No entanto, essa concepção do Direito, muito influenciada pelo positivismo jurídico do século XIX, é completamente restritiva e equivocada. Mais do que um conjunto de regras e ritos, o Direito é uma ferramenta de construção institucional para a consolidação de um projeto de desenvolvimento nacional.
As instituições tais como as conhecemos hoje, da democracia representativa ao mercado, não devem ser entendidas de forma determinista. Sua configuração, historicamente, está e estará sempre sujeita a inúmeras variações, inovações, alternativas. Para cada modelo de sociedade, há diferentes instituições. Por isso, não basta copiar as instituições dos outros quando se pretende alcançar um modelo de desenvolvimento próprio. O desafio dos juristas reside, justamente, em construir as instituições de forma adequada para a sua sociedade, no seu tempo, para o cumprimento do projeto de desenvolvimento que suas sociedades estabelecem.
Deste modo, as instituições financeiras, estatais, bancárias, educacionais, de ciência e tecnologia, e inclusive em política exterior, não são nem podem ser as mesmas em projetos de desenvolvimento radicalmente diferentes. Para cada projeto de desenvolvimento, há um modelo institucional que o acompanha e traduz. Exemplos de perguntas que surgem a partir dessa constatação são: que instituições precisamos criar para lidar com a enorme heterogeneidade estrutural de nossa economia, promovendo a produtividade nas pequenas e médias empresas? Que modelos institucionais redistributivos e pré-distributivos precisamos adotar em matéria de tributação, direito da concorrência, e propriedade da terra e do solo? Que modelo institucional precisamos adotar para temas tão variados como nosso comércio exterior, nossas relações multilaterais, a regulação pública dos meios de comunicação, a gestão das cidades, o funcionalismo público em todos os poderes, a propriedade rural, o Banco Central e as instituições de pesquisa e inovação?
Quando um projeto de desenvolvimento não se faz essas perguntas, corre o risco de se alienar e naturalizar instituições que servem a outro de finalidades completamente opostas, caindo na armadilha de fazer mudanças cosméticas em instituições que, essencialmente, precisam ser reformadas de forma estrutural.
Essas, e outras milhares de perguntas do tipo, deveriam ser postas sobre a mesa pelos juristas na discussão sobre que modelos institucionais são apropriadas para um projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil. Essa é a maior contribuição que podemos realizar neste momento crucial para o lançamento de uma estratégia de reconstrução de um projeto neodesenvolvimentista para nosso país.
*Karina Patrício é doutoranda em Direito na Universidade de Durham (Reino Unido).