Com as empresas mundiais refém do dólar, o economista grego mostra como o bilionário vem contrariando e derrotando o establishment global. E esboça uma aliança capaz de vencer ele e todas as caricaturas nacionalistas que o idolatram
Por Yanis Varoufakis, no The Guardian | Tradução de Guilherme Ziggy
A saída antecipada de Donald Trump, e sua subsequente recusa em endossar o comunicado do G7, colocou a imprensa convencional em uma espécie de apoplexia, refletindo uma incompreensão aprofundada da realidade global que vem se desenrolando.
Em uma tentativa de misturar dureza com bom-humor, Emmanuel Macron sugeriu que o G7 poderia se tornar… o G6. Isso é absurdo, até porque, sem os Estados Unidos, o capitalismo como o conhecemos (sem falar dos lamentáveis encontros do G7) desapareceria da face do planeta.
Há, é claro, pouca dúvida que com Trump na Casa Branca há muita coisa com o que devemos nos angustiar. No entanto, a reação do establishment às maracutaias do presidente, nos Estados Unidos e na Europa, é talvez uma preocupação ainda maior para progressistas, repleto de intenções perigosas e sucessivos erros de cálculo.
Alguns depositam sua fé na investigação de Mueller, presumindo que o vice de Trump, Mike Pence, seria um presidente mais gentil. Outros estão segurando o fôlego até 2020, se recusando a considerar a possibilidade de um segundo mandato. O que todos falham em compreender é o real movimento tectônico que sustenta a palhaçada grosseira de Trump.
A administração Trump está construindo um substancial impulso econômico dentro de casa. Primeiro, ele aprovou cortes de renda e impostos corporativos que o establishment republicano não poderia, alguns anos atrás, nem imaginar em seus sonhos mais selvagens. Mas isso não foi tudo. Nas coxias, Trump surpreendeu Nancy Pelosi, líder dos Democratas na Câmara dos Deputados, aprovando cada um dos programas sociais que ela pediu. Como resultado, o governo federal está executando o maior déficit orçamentário da história dos EUA, quando a taxa de desemprego é menor que 4%.
O que quer que se pense desse presidente, ele está distribuindo dinheiro não apenas para os mais ricos, que, claro, ficam com a maior parte, mas também para muitas pessoas pobres. Com um emprego comprovadamente forte, especialmente entre os trabalhadores afro-americanos, a inflação sob controle e o mercado de ações ainda flutuante, Trump tem o front doméstico sob controle, enquanto viaja para terras estrangeiras para confrontar amigos e inimigos.
O establishment anti-Trump dos Estados Unidos reza para que os mercados punam seu desperdício. Isso é precisamente o que teria acontecido se a América fosse outro país. Com um déficit fiscal que deve chegar a US$ 804 bilhões em 2018 e US$ 981 bilhões em 2019, e com o governo esperando emprestar mais US$ 2,34 trilhões nos próximos dezoito meses, a taxa de câmbio estouraria e as taxas de juros estariam lá em cima. Exceto pelo fato que os Estados Unidos não é um país qualquer.
Como seu Banco Central, o Fed, reduz seu programa de flexibilização quantitativa vendendo seu estoque de ativos acumulados para o setor privado, os investidores precisam de dólares para comprá-los. Isso faz com que o número de dólares disponíveis para os investidores diminua em até US$ 50 bilhões por mês. Some isso aos dólares que os capitalistas alemães e chineses precisam para comprar títulos do governo dos Estados Unidos (em uma tentativa de estacionar seus lucros em um lugar seguro) e você começará a ver porque Trump acredita que não será punido por uma corrida sobre o dólar ou sobre títulos do governo.
Armado com o privilégio exorbitante oferecido por possuir as maquinas que imprimem o dólar, Trump então dá uma olhada nos fluxos de comércio com o resto do G7 e chega a uma conclusão inevitável: ele não pode, possivelmente, perder uma guerra comercial contra países que têm superávits tão altos como os Estados Unidos (por exemplo, Alemanha, Itália, China), ou que (como o Canadá) pegarão pneumonia no momento em que a economia norte-americana pegar um resfriado.
Nada disso é novo. Richard Nixon também confrontou o establishment europeu em 1971, ao passo que Ronald Reagan esmagou brutalmente os japoneses em 1985. Inclusive a linguagem não era das mais civilizadas – só se lembrar da postura da administração Nixon nas palavras inimitáveis de John Connaly: “Minha filosofia é que se todos os estrangeiros estão por aí para nos foder, então é nosso trabalho fodê-los primeiro”. A agressão dos Estados Unidos de hoje em relação a seus aliados se distingue desses episódios de duas formas.
Primeiro, desde o colapso da bolsa em Wall Street em 2008, e apesar da re-flutuação seguida do setor financeiro, Wall Street e a economia interna dos Estados Unidos não podem mais fazer o que faziam antes de 2008: isto é, absorver as exportações líquidas de produtos europeus e fábricas asiáticas por meio de um superávit comercial financiado por um fluxo equivalente de lucros estrangeiros. Essa falha é a causa inexplícita da recente instabilidade global, política e econômica.
Em segundo lugar, diferentemente da década de 1970, década onde os europeus não deram conta da crise do euro, parece que o establishment franco-alemão está agora desunido e batendo em retirada – com nacionalistas xenófobos e antieuropeus assumindo governos.
Trump dá uma olhada em tudo isso e conclui que, se os Estados Unidos não puderem mais estabilizar o capitalismo global, ele poderia muito bem explodir as convenções multilaterais já existentes e construir do zero uma nova ordem global que se parecesse com uma roda de conversa, com os Estados Unidos em seu centro e outros poderes mundiais com espaços de fala – um esquema de acordos bilaterais que garante que Washington sempre será o maior parceiro de cada um deles, e assim conseguirão obter sempre um quilo de carne amais por meio de divisões e táticas de guerra.
Pode a União Europeia criar uma aliança anti-Trump “Europe First” envolvendo a China? A resposta foi dada logo após a anulação de Trump do acordo nuclear com o Irã. Apenas alguns minutos após a chanceler alemã Angela Merkel declarar que as empresas europeias permaneceriam no Irã, todas as corporações alemãs anunciaram que estavam se retirando, priorizando os cortes de impostos que Trump estava lhes oferecendo dentro dos Estados Unidos.
Em conclusão, temos boas razões para ficarmos chocados com Trump: ele está ganhando contra um establishment europeu que está nadando na perfeita ignorância, não compreendendo as forças que os minam e abre caminho para acontecimentos alarmantes. O ônus recai sobre os progressistas na Europa, Reino Unido e Estados Unidos, para recolocar na agenda um New Deal Internacionalista – e para ganhar eleições fazendo campanha com ele.
Em meus raros momentos de otimismo, imagino uma aliança entre Bernie Sanders, Jeremy Corbyn e nosso Movimento Democrático Europeu, o DiEM25, onde daríamos aos nacionalistas internacionais, liderados por Trump, uma canseira eleitoral e política. Alguns anos atrás, um triunfo de Trump nos Estados Unidos, Europa e além, soaria ainda mais improvável que isso. Vale a pena tentar.