Por Antonio Gramsci* | Tradução Guilherme Ziggy
Todas as manhãs quando acordo novamente debaixo da imensidão do céu, sinto que pra mim é dia de Ano Novo.
É por isso que eu odeio esse Ano Novo que cai como uma maturidade acertada, que transforma a vida e o espírito humano em uma preocupação comercial com seus claros balanços finais, suas quantias exorbitantes, seus orçamentos para uma nova gestão. Eles nos fazem perder a continuidade da vida e do espírito. Você acaba pensando seriamente que entre um ano e outro há uma pausa, que uma nova história se inicia; você faz planos e se arrepende dos que não cumpriu, e assim por diante. Isso geralmente é o que há de errado com essas datas.
Eles dizem que a cronologia é a espinha dorsal da história. Muito bem. Mas nós também precisamos aceitar que existem quatro ou cinco datas fundamentais que toda boa pessoa deixa programada em seu cérebro, que desempenharam o papel de pregar peças na história. Essas datas também são Anos Novos. O Ano Novo da história Romana, ou da Idade Média, ou da época moderna.
E elas se tornaram tão invasivas e fossilizadas que às vezes nós nos pegamos pensando que a vida na Itália começou em 752, e que 1490 e 1492 são como montanhas que a humanidade escalou, para de repente se encontrar em um novo mundo, trazendo uma nova vida. Então a data se torna um obstáculo, um parapeito que nos impede de enxergar que a história continua a se desenrolar em uma linha fundamentalmente imutável, sem pausas abruptas, como quando no cinema um rolo de filme precisa ser trocado e há um pequeno intervalo de luz ofuscante.
É por isso que eu odeio o Ano Novo. Eu quero que todas as manhãs sejam ano novo. Todos os dias eu quero reconhecer a mim mesmo e todos os dias eu quero me renovar. Nenhum dia separado dos outros. Eu quero poder escolher eu mesmo minhas pausas, quando a intensidade da vida me embriagar eu quero mergulhar na selvageria e dela drenar um novo vigor.
Sem cumprir horas espirituais. Eu gostaria que todas as horas da minha vida fossem novas, embora conectadas com as que já passaram. Sem um dia obrigatório de celebração com seus ritmos coletivos, para compartilhar com todos os estranhos que eu não dou a mínima. Só porque os avós de nossos avós celebravam dessa forma, nós devíamos sentir o ímpeto de fazer o mesmo. Isso é nauseante.
Eu espero pelo socialismo por esse motivo também. Porque ele mandará para o lixo todas essas datas que não possuem ressonância alguma em nosso espírito e, ao criarmos outras, essas pelo menos serão nossas, e não as que temos que aceitar sem restrições só por causa de nosso ancestrais idiotas.
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(Publicado no periódico Avanti! Em 1º de janeiro de 1916 e traduzido do Italiano por Alberto Toscano para a Viewpoint Magazine.)
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* O texto original “Odio il capodanno” tem sua autoria atribuída a Gramsci, mas é impossível atestar a veracidade desse fato. Como não há nenhuma comprovação filológica, a atribuição é incerta. O texto seria, provavelmente, do editor do jornal.