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Maio de 68 – A brecha

Autores: Claude Lefort, Cornelius Castoriadis & Edgar Morin
Tradução e organização: Anderson Lima da Silva & Martha Coletto Costa
Apresentação: Marilena Chaui
Prefácio: Edgar Morin
Ensaio crítico: Olgária Matos
Posfácio: Irene Cardoso
Páginas: 288
Edição: 2018
ISBN: 978-85-69536-21-5
Apoios: Fundação Perseu Abramo & Embaixada Francesa

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Sobre o autor

Claude Lefort

(Paris, 21 de março de 1924 – Paris, 3 de outubro de 2010). Marcado pelo estilo filosófico de Merleau-Ponty, seu professor e amigo, Lefort se posiciona desde o início de sua trajetória contra as expressões do marxismo dogmático e elabora, no fim dos anos 1940, uma crítica à esquerda da União Soviética, do Partido Comunista e do fenômeno burocrático. Da meditação sobre a experiência totalitária, aliada à imersão nos autores clássicos (Maquiavel, La Boétie, Tocqueville, etc.), Lefort buscou extrair subsídios teóricos para repensar profundamente a natureza da democracia moderna, a partir dos anos 1970. Suas obras mais destacadas são A invenção democrática: os limites da dominação totalitária, O trabalho da obra: Maquiavel e Pensando o político: ensaios sobre democracia, revolução e liberdade.

Cornelius Castoriadis

(Constantinopla, 11 de março de 1922 – Paris, 26 de dezembro de 1997). Pensador de origem grega, Castoriadis afirma-se inicialmente como um jovem militante revolucionário e realiza, ainda em Atenas, estudos nas áreas de direito, economia e filosofia. Em 1945 radica-se na França. Sua obra favoreceu a renovação do pensamento marxista no século XX, realizou uma crítica pioneira do comunismo soviético sem deixar de visar o capitalismo Ocidental e se voltou para uma reflexão renovada sobre a democracia radical e a autonomia. Ao lado de Claude Lefort, foi um dos responsáveis pela formação do grupo Socialismo ou Barbárie, em 1949. De sua ampla produção, se destacam obras como A instituição imaginária da sociedade, As encruzilhadas do labirinto (vários tomos) e A sociedade burocrática.

Edgar Morin

(Paris, 8 de julho de 1921). Filósofo e sociólogo, diretor de pesquisa emérito do Centre National de Recherche Scientifique (Centro Nacional de Pesquisa Científica). Doutor honoris causa em mais de trinta Universidades pelo mundo, Edgar Morin soube fornecer com precisão uma análise rente aos acontecimentos de Maio de 68, caracterizando-os como uma expressão momentânea que partiu da juventude estudantil e trouxe à luz aspirações profundas do ser humano por mais liberdade pessoal e comunidade fraternal. Morin tem uma ampla formação, transita em várias áreas do saber, como Filosofia, Sociologia, História, Epistemologia e Pedagogia. Aos quase cem anos, Morin continua a tomar posições políticas frente a causas ambientais e humanitárias mundo afora. De sua produção, destacam-se O método (6 volumes), Introdução ao pensamento complexo e Os setes saberes necessários para a educação do futuro.

Maio de 68 encarnou profundas aspirações, nutridas sobretudo pela juventude estudantil. Aspirações que os jovens sentem e das quais se esquecem quando são domesticados à vida que os integra ao mundo. Aspirações de mais liberdade, autonomia, fraternidade, comunidade. Totalmente libertário, mas sempre com a ideia fraternal onipresente. Os jovens combinaram essa dupla aspiração antropológica que brotou em diferentes momentos da história humana. Creio que a importância histórica de Maio de 68 é grande por tê-la revelado. Maio de 68 é da ordem de uma renovação dessa aspiração humana que reaparece de tempos em tempos e que ainda reaparecerá sob outras formas.

– Edgar Morin, Filósofo e sociólogo, diretor de pesquisa emérito do CNRS

1968 é um ano emblemático. Maio, na França, um mês simbólico.

Ano emblemático porque recolhe numa unidade de sentido o que se passou antes dele – no correr dos anos 1960 – e do que viria a acontecer depois dele – no correr dos anos 1970. Primavera de Praga contra o totalitarismo soviético; movimento estudantil de Berkeley contra a guerra do Vietnã; criação da universidade crítica na USP, abrindo uma experiência que se espalha para várias universidades brasileiras em luta contra a ditadura e o autoritarismo acadêmico; movimento estudantil na França contra o servilismo das ciências sociais, curvadas às imposições da sociedade industrial capitalista, e o sombrio futuro dos estudantes nessa sociedade; início da guerrilha revolucionária nos países da América do Sul com a palavra de ordem de Che Guevara (“um, dois… muitos Vietnãs”); desenvolvimento do feminismo e do movimento ecológico, nos Estados Unidos; em toda parte, movimentos de luta pela liberação da sexualidade contra a repressão consolidada pela moral vitoriana; nascimento da música de protesto e da contracultura como expressão de todos esses movimentos e lutas – no Brasil, “sem lenço e sem documento”, canta-se que “nada será como antes”, “apesar de você”.

Mês simbólico porque a rebelião estudantil francesa não se confina ao ambiente universitário, mas ocupa as ruas, onde inventa uma nova sociabilidade tirando do isolamento os habitantes das cidades, pratica a guerrilha construindo barricadas para enfrentar as forças policiais, espalha-se pelas fábricas que, passando da solidariedade aos estudantes à presença política própria, deflagram uma greve geral, pondo em questão os partidos de esquerda tradicionais – sempre desejosos de tomar o poder – e ameaçando a queda do bastião da república francesa, o presidente De Gaulle.

Os textos reunidos neste livro manifestam o espanto diante dos acontecimentos, a esperança de uma mudança social e política sem precedentes na Europa e o trabalho da interrogação do novo.

São textos duplamente heterogêneos: em primeiro lugar, porque se situam historicamente em dois momentos distintos – escritos no calor da hora e vinte anos depois; em segundo, porque se oferecem como interpretações cujo centro varia – a ênfase de Morin e Lefort recai sobre a juventude estudantil, enquanto a de Castoriadis se debruça sobre a participação proletária nos acontecimentos – e cuja interrogação propõe, para Morin e Castoriadis, a questão da revolução, enquanto Lefort a descarta de imediato.

Todavia, tanto nos textos da primeira hora quanto nos dos anos 1980, é possível encontrar um ponto de convergência: maio de 68 demoliu a imagem comunista da revolução, não somente porque o sujeito político não foi a classe operária guiada pela vanguarda do partido (não sendo casual que os vários partidos – leninistas, trotskistas, maoístas – ocupassem a cena política somente com o fim do movimento estudantil), mas também porque a rebelião estudantil não pretendeu a tomada do poder, porém se ergueu contra todas formas de poder e autoridade, abrindo uma brecha no tecido cerrado da sociedade e da universidade francesas.

Nos textos tardios, além o acerto de contas com os primeiros escritos e do exame crítico da avalanche de interpretações que inundou a França (e a Europa), vale a pena assinalar dois aspectos. No caso de Morin e Castoriadis, o olhar se volta para o panorama amplo dos anos 1960 para nele inserir o maio francês, isto é, o surgimento dos movimentos sociais dos direitos civis (dos negros nos USA), do feminismo, da ecologia, da liberação sexual e, do lado da juventude, o surgimento da contra-cultura. No caso de Lefort, a introdução da idéia de desordem permite compreender não apenas o maio francês, mas também os movimentos sociais como expressões da democracia, isto é, como conflito legítimo e contestação permanente dos poderes e das instituições no interior da sociedade.

— Marilena Chaui, professora do Departamento de Filosofia da USP

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