Os povos Maya nos oferecem, com o Movimento Zapatista, o melhor exemplo contemporâneo de uma insurreição bem sucedida contra o monstro bicéfalo Estado-Mercado que oprime as minorias étnicas e outras do planeta. Um exemplo que inspira e desafia, não um modelo imóvel que se copia e se “aplica”. Pois o zapatismo segue incansavelmente se reinventando, trinta anos após o levante de 1º de janeiro de 1994. O livro de Ana Paula Morel, indo além dos comunicados oficiais do Movimento, descreve a intensa dinâmica intelectual do cotidiano das comunidades autônomas zapatistas. A autora viveu em Chiapas e foi aluna de espaços educativos indígenas, propondo uma experimentação com a “imaginação conceitual” de educadores tzotzil. As teorias educativas indígenas zapatistas realizam uma poderosa crítica do capitalismo enquanto “des-lugarização”, a separação das pessoas de seus lugares, a abstração violenta dos vínculos constitutivos de todos os povos indígenas, a começar pela relação destes com a terra — e, portanto, com a Terra.
O livro traz ainda uma reflexão sobre o urgente chamado zapatista ao advento de “um mundo onde caibam muitos mundos” — lema que não só exprime a solidariedade entre os múltiplos mundos que se veem diante do colapso ecológico global, como propõe uma transformação radical dos pressupostos metafísicos que habilitaram o Antropoceno. Como dizem as Declarações da Selva Lacandona, é preciso que as palavras verdadeiras caminhem pelos muitos mundos que queremos.
– Eduardo Viveiros de Castro
O belo livro de Ana Paula Morel retrata e celebra, no marco dos 30 anos do levante de primeiro de janeiro de 1994, uma das experiências políticas e existenciais mais apaixonantes e entusiasmantes das últimas décadas. Naquele dia, o México dos de baixo desvalando o país oficial que acreditava estar entrando no ‘primeiro mundo’ com o acordo norte-americano de livre comércio (NAFTA).
Das profundezas da Selva Lacandona, do recalque de um país e continente indígenas, brota um fantástico experimento criativo, que inspira desde então inúmeros movimentos em todo o planeta, desde as manifestações antiglobalização às rebeliões dos povos ameríndios passando por uma miríade de lutas urbanas. Escucharon? Um levante dos olvidados e permanentemente perseguidos e reprimidos. Deslocando sinais, em 1994 empunham as armas para abrir espaços de sobrevivência e subsistência. Em 2012, fazem a marcha do silêncio (ecoando outra, de 1968 na capital) para erguer as vozes mayas. Colocam o capuz para mostrar os corpos da dignidade coletiva. A derrubada em 1992 (no dia em que se completavam cinco séculos de colonização) da estátua de Colombo em San Cristóbal de las Casas anuncia o novo mundo zapatista e a ruína da guerra monocultural suicidária capitalista.
– Jean Tible
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