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Quais as Razões da Ocupação Negra na PUC-SP?

Por James Hermínio Porto Silva

Os estudantes de Serviço Social da PUC-SP ocuparam os dois prédios do campus Monte Alegre, em Perdizes, contra o racismo institucional na contratação de professores negros. Não faço parte do curso ou da ocupação, mas como graduado na PUC-SP, posso dizer a razão dos estudantes estarem certos. Passamos e ter negros estudando em universidades, mas a pergunta que se coloca é: e os professores? 

Minorias nas universidades: lembrando o que todo mundo sabe

“Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros”, era uma das falas de Primo Preto, mais um sobrevivente, na música Capítulo 4, versículo 3, dos Racionais MC’s[1]. As coisas mudaram, mas não suficiente para que a música se referisse apenas ao passado.

Com as cotas raciais aliadas a programas sociais como o ProUni, FIES e ampliação de universidades federais, concretizadas nos governos Lula-Dilma, o número de negros e pobres cresceu.

Não foi porque as músicas de Rap sensibilizaram os jovens negros para ingressarem nas universidades ou pelo mero paternalismo estatal. A luta por uma formação digna se confunde com a luta pela liberdade antes e depois da Abolição.

Negros ainda são menos de 30% nas universidades (mesmo sendo mais de 50% da população). O número de negros mortos e encarcerados cresceu muito, neste mesmo período que sua existência começa a se fazer notada no ensino superior.

A perspectiva de um graduando negro conquistar um diploma não parece muito diferente da expectativa de Odisseu em chegar a Ítaca. Após a guerra para ter acesso à universidade, começa a Odisseia para viver, ou sobreviver, à Universidade. No fim, o que maioria de nós quer é chegar a algum lugar.

Ausência de referências negras nas universidades: um barco sem farol           

Quando um negro entra na universidade ele ouve (direta ou indiretamente) algo como:

Você entrou, pegue uma cadeira; fique calado; vire-se em dez para não faltar e entregar todas as atividades; não morra e, se for bonzinho, ganhará o seu diploma!

 Começa agora o bombardeio de violências psicossomáticas que até então sequer sabíamos que existiam. Quanto mais tradicional (eufemismo para elitizada) a universidade, mais hostil é o ambiente para o estudante.

Sendo uma minoria, precisa entender logo cedo que os vinte e tantos por cento das estatísticas não representarão a realidade da sala de aula. Ser o único negro entre tantos alunos brancos não é uma raridade.

Os alunos brancos, por sua vez, ainda que estejam começando na carreira, parecem muito mais a vontade. Um ambiente é menos estranho quando se está com iguais.

Sendo, geralmente, mais pobre, tem a igualdade mais como uma inimiga do que como um direito: A aula começa às 7h30 e a chamada é feita às 7h45. Não tenho culpa de você ter chegado às 8h30, fala o professor para o aluno que enfrentou duas horas de CPTM para chegar de Guaianases em Perdizes.

Quinze minutos de tolerância para todos. Esta é a “igualdade”. Aí vêm as piadas com empregadas, que para muitos é, literalmente, uma piada com a mãe (e acho que ninguém aqui gosta de piada com sua mãe, pai, irmãos).

O professor está tentando ser legal, descontrair com sala. Todos riram; todos têm empregada em casa. Esta é a “igualdade!”. Se tiver “sorte”, tua beleza será chamada de exótica e para descontrair vão elogiar seu cabelo para terem a oportunidade de perguntar: Como é que você lava?

Os professores não entendem este estudante. Esta falta de empatia tem uma causa muito mais que moral [e eu não excluo a moralidade, pois mau-caráter racista tem de monte]: é estrutural.

Quantos professores são brancos na universidade que você frequenta? Não sabe, né?! Tudo bem; são muitos. E os negros?! Agora lembrou de um ou dois (se é que teve algum). Quantos autores negros você foi obrigado a ler para não ser reprovado?

Mas como um professor branco vai ter empatia: por questão geracional, teve muito menos colegas negros (se é que teve). Na sala dos professores, não vai ter um colega negro para discutir a aula ou descontrair enquanto toma um café (uma ótima oportunidade para alguém dizer que certas piadas não têm graça).

E como teríamos muitos professores e teóricos negros construindo as universidades se, por séculos, aos negros só foram ofertados os blocos e argamassas?

Bom, aí um gestor universitário que lê este texto até aqui pensa consigo: Está certo. Não temos muitos negros formados que possamos contratar!. Este é um argumento desonesto e, sem medo de dizer, racista.

O racismo não precisa se manifestar como o ódio aos negros, mas pela simples apatia burocrática cotidiana. Há uma quantidade razoável de profissionais negros dispostos a dar aulas.

Mas como isto será possível com processos seletivos (entrevistas ou concursos, que seja) que só por uma questão formal não se chamam processos exclusivos?

E mais: quando o negro finalmente consegue se formar, ouve um adeus!; raramente um até logo. Se a graduação já foi difícil, imaginem os programas de pós-graduação!

Se na graduação se estudava com os filhos de promotores, na pós se estuda com os próprios promotores (para usar um exemplo do direito). E cuidado ao tentar contar nos dedos os professores negros na pós: correria o risco de perder mãos e pés.

A ausência de professores negros nas universidades não é um problema só para os estudantes negros. Não queremos apenas um “ombro-amigo” ou alguém com repertório melhor de piadas.

A própria existência da universidade enquanto instituição responsável pela produção de conhecimento depende de universalização para se produzir um conhecimento para TODA A SOCIEDADE e não apenas para qualificar gente para ganhar dinheiro.

A pluralidade é a condição de sobrevivência do conhecimento científico brasileiro. Se as universidades não estiverem prontas para receber negros em todas as suas dimensões, estará fadada à mediocridade que mendiga o reconhecimento de governos e empresas. Não pode ser apenas a existência do aluno negro a estar em jogo.

[1] Esta música faz parte do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, lançado em 1997.

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