A Autonomia Literária é uma editora independente com claras posições de esquerda e, também, práticas de funcionamento alinhadas com esse discurso, que se expressam na sua forma de remunerar a todos que trabalham e colaboram com ela, que adota na sua linha editorial um recorte amplo para dar voz a diferentes segmentos muitas vezes diferentes entre si — e até diferentes dos seus próprios editores — pois entendemos que: 1) temos mais em comum do que divergências; 2) nos baseamos em um política orientada para o futuro e não presa às disputas do passado, em relação ao qual, sublinhamos, não abrimos mão do que interessa: a tradição dos oprimidos e a memória das lutas.
A despeito dos nossos editores possuírem um histórico de militância combativa e anticapitalista que vem do movimento estudantil e se estendeu pelo jornalismo, pelas artes e pela advocacia, existe uma diferença entre o papel político deles e a política que uma editora faz, ainda mais se ela não adota uma linha especificista de um determinado ramo — seja das áreas do saber ou do espectro da esquerda.
Desde que Jair Bolsonaro foi eleito, temos dedicado parte do nosso catálogo para debater o fascismo e as estratégias para derrotá-lo. Publicamos Como nasce e morre o fascismo, de Clara Zetkin, e Como esmagar o fascismo, de Leon Trotsky. Quando lançamos o livro Antifa – O manual antifascista, um dos melhores livros que publicamos em 2019, enviamos alguns exemplares para os grupos que se reivindicam como antifas no Brasil, seja para que eles se inteirem no debate feito ou para que deem sua colaboração — pois isso é, a nosso ver, papel de uma editora com nossa forma e propósito, sempre foi assim e continuará sendo.
Dito isso, usamos nossas redes sociais como forma de divulgação do nosso trabalho e estabelecemos nossas posições editoriais no próprio site da editora, quando é o caso. Na recente polêmica entre Leonel Radde, “policial antifa” que ficou conhecido por desmantelar um festival neonazi em Canoas (RS), e o nosso autor Mark Bray no Twitter sofremos alguns questionamentos que precisamos, brevemente, pontuar.
No contexto dessa polêmica, entramos em contato com Radde para esclarecer que não mandamos o livro como qualquer forma de exposição maliciosa da imagem dele e, também, colocamos para o autor que no Brasil, um país subdesenvolvido e com uma dinâmica ainda colonial bastante própria, existe uma peculiaridade: um movimento de policiais antifascistas e por isso enviamos um exemplar para eles — o que não quer dizer que Radde e Bray tenham de concordar entre si ou que, pessoalmente, tenhamos de concordar integralmente com ambos.
A nossa certeza é que a realidade brasileira não pode continuar como está, e que queremos uma sociedade futura sem a necessidade de polícias ou prisões. A repressão hoje — racial, política e social — é intolerável e precisamos construir com múltiplos atores como faremos essa transformação, o que exige formulação não apenas conceitual, mas prática e estratégica.
Com esse objetivo, promovemos diversos debates denunciando as atrocidades das milícias em pleno Rio de Janeiro. Organizamos nos últimos anos mesas com professores e militantes comunistas e anarquistas para debater (algo raríssimo no Brasil), enquanto a esquerda vem se esfacelando e se destruindo. As consequências desse posicionamento tem um preço: na última Flipei recebemos ataques de rojões orquestrado por bolsonaristas ao promover um simples debate sobre a Vaza Jato.
Portanto, que as polícias tem que acabar, não temos a menor dúvida. A questão é como fazer isso. Por causa desse debate, e antes dessas acusações, já estávamos preparando publicações que tratam da abolição das polícias. Tendo em vista o que vem acontecendo no Brasil e no mundo, obras como essas são mais que urgentes.
Entendemos que o debate e a discordância sejam válidos para construir uma sociedade emancipada e livre, mas precisamos sair da lógica destrutiva que por vezes corrói as redes sociais e, assim, travarmos uma genuína e ampla reflexão para entender como sair daqui e construir uma coexistência melhor entre todas e todos.
A Autonomia Literária continuará a dar espaço e voz ao pensamento crítico e cumprirá essa difícil tarefa de fazer interlocução com variados setores da esquerda — comunistas, socialistas, anarquistas, sociais-democratas, autonomistas etc. Sigamos na luta.
Acompanho há tempos o trabalho da Autonomia Literária. Sou fã dessa editora combativa, competente e coerente. Parabéns pela postura de vocês. Vida longa!