Por Hugo Albuquerque (arte da ilustração Joice Fadelli)
Episódio Alvim, que escancarou o nazismo explícito no interior do governo, acaba soterrado tanto pelas cortinas de fumaça que o bolsonarismo produz como, sobretudo, pela falta de ação da esquerda, que recua e cede campo para o adversário.
“A única coisa que me entristeceu disso tudo, e falo pra vocês do fundo do meu coração e não conversei com ele ainda, foi essa frase do professor Olavo… um mestre pra mim, uma pessoa que me ajudou muito com os seus escritos” .
Roberto Alvim, ex-secretário de cultura do governo Bolsonaro
Este artigo começou a ser redigido para tratar da notória e escabrosa fala de Roberto Alvim, então secretário especial de Cultura, que simplesmente copiou um discurso de Joseph Goebbels, ideólogo e propagandista maior do nazismo — com direito à música, cenografia e até penteado para não deixar dúvidas — quando anunciava seu grandioso plano de aparelhamento da Cultura. De lá para cá, muita coisa aconteceu, mas tanta coisa, tanta coisa mesmo, que, ao final, nada aconteceu.
Em seu prefácio a O velho está morrendo e o novo não pode nascer de Nancy Fraser, que estamos por lançar, Victor Marques lembra a frase atribuída a Lenin de que há décadas em que nada acontece, há semanas em que décadas acontecem — cuja origem, na verdade, remonta ao próprio Marx em carta para Engels ao observar que “para os grandes desenvolvimentos históricos, vinte anos contam por um […] esses possam ser seguidos de dias que valem por 20 anos”.
Na verdade, o tempo da pós-modernidade no sujeita a outro regime de tempo: tudo parece mudar em poucos dias, mas nada muda há séculos. É uma maquinaria perversa e efetiva que produz uma série de factoides, seguidos de uma overdose de (hiper)narrativas sobre fatos bombásticos, que se sucedem, a ponto de muito ser dito sobre tudo, mas nada acaba por ser feito.
Pois bem, o bombástico agora é o assassinato de um miliciano com laços demais com a família Bolsonaro para passar desapercebido, em condições para lá e de suspeitas — enquanto a direita brasileira comemora que o Democracia Vertigem, da diretora brasileira Petra Costa, não venceu o Oscar de melhor documentário, inobstante ao fato do documentário vencedor e do grande vitorioso da noite, Parasita, serem acidamente críticos ao sistemão.
O Bolsonarismo é uma máquina que sabe como poucas funcionar na pós-modernidade. Ele cria factóides, cortinas de fumaça, balões de ensaio e fatos bombásticos que sobrecarregam facilmente nossa capacidade de indignação, uma vez que ela se assenta numa mistificação: desde Temer, se aprendeu definitivamente, que se pode governar o Brasil sob franca rejeição popular desde que a indignação popular não seja convertida em indignação política.
O episódio Alvim, pois, é central para entender o que se passa. Não pela sua factualidade, mas pelo seu significado. Recapitulando, após um episódio de nazismo explícito, concreto e literal, tendo sido pressionado por deus e o mundo, Bolsonaro relutou a exonerar Alvim, até que essas pressões se tornaram absurdas e ele, enfim, cedeu. Na noite anterior, Bolsonaro estava junto com Alvim numa live, aclamando o seu plano de criar uma “arte nacional”.
Depois do acontecido, Bolsonaro se saiu com o óbvio clichê de que não compactua com “ideologias assassinas” como nazismo e comunismo — em uma história em que simplesmente não há nenhum comunista na conversa, no governo ou no acontecido. Uma tergiversação evidente.
No entanto, é aí que a história começa. Tanto que precisamos falar não sobre revelação do óbvio caráter fascista do Bolsonarismo, mas da crise da oposição ao Bolsonarismo que é, cada vez mais, uma das maiores causas de sua sustentação.
DEPURAR O PRÓPRIO CAMPO, DIVIDIR E CONQUISTAR: A ESTRATÉGIA BOLSONARISTA
Com o Bolsonarismo ocorre o seguinte: mesmo intelectuais radicais e antagônicos a ele, têm dificuldade de afirmaram o caráter de extrema-direita do governo ou mesmo mencionarem a palavra “fascista” como o adjetivo que lhe cabe. De repente, quem pudesse denunciar esse aspecto do governo só poderia ser um petista inconformado, um esquerdista venal ou um comunista ensandecido.
Paralelamente a isso, ocorrem dois movimentos: se o Bolsonarismo marca uma divisão das próprias direitas radicais, com os grupos menos extremistas restando alijados do poder — preteridos por quadros inferiores, ligados à família presidencial ou a seu guru –, um afastamento da direita tradicional, por outro, isso marca uma divisão grande do campo progressista, entre uma parte que insiste no caminho da política tradicional e de uma aliança com essa mesma direita e um outro grupo que vê com sérias dúvidas uma alternativa oficiosa.
Existe muito mais aí. A crença numa divisão entre “economia” e “política”, segundo a qual o establishment de direita — e o establishment geral brasileiro é a direita liberal cosmopolita e globalista — defende a “economia” de Bolsonaro, mas crítica sua “política” — o que parece também animar partes da esquerda, rendida do fatalismo econômico, de austeridade e privatismo até algo mais light, da necessidade de rendição a um realismo gestor e de modelo econômico mais geral, o qual precisa ser completo para evitar que “o mercado” coloque lá um fascista “para fazer o que tem de ser feito”.
Esse movimento também empurra lideranças petistas e aliadas ao PT mais ao centro, para se livrarem da pecha de radicais, quando o que incomoda no PT é sua base social e política — justamente o que lhe dá vida e força –, isto é, o único modo do petismo agradar os potenciais aliados de “direita democrática” é, literalmente, se autodestruindo — o que pode acontecer. Por outro lado, existe uma gritaria geral para quem desconfia, com alguma razão de essa frente ampla institucional e parlamentar não dará jogo.
O Bolsonarismo expulsa a direita “normal” e liberal porque, ironicamente, se centra numa estratégia que tem conteúdo de extrema-direita, mas uma estratégia que é tributária da origem comunista (e stalinistóide) do seu ideólogo maior, Olavo de Carvalho: ela se preocupa em gastar energias depurando o próprio campo antes de confrontar seus adversários, pois imagina que é melhor se desgastar construindo e mantendo um núcleo altamente estável a se lançar, num primeiro momento, numa luta contra seus adversários.
No contexto brasileiro, Bolsonaro, e antes e mais do que ele Olavo de Carvalho, sabe que os liberais estão paralisados pela agenda econômica e, já que é assim, é melhor tê-los como inimigos do que como sócios desnecessários e possíveis concorrentes. Que se tornem “comunistas” ou “petistas” por consequência. Mas só isso não basta.
COMUNISMO E NAZISMO: O MOMENTO ARENDTIANO DE BOLSONARO
Em 2005, que já soma distantes quinze anos, Slavoj Zizek observava, diante da moção propostas por deputados conservadores do Parlamento Europeu que visava proibir símbolos comunistas, equiparando-os aos símbolos nazistas, na verdade, representava uma operação mais complexa: ao fim e ao cabo, negar o consenso antinazista do pós-guerra.
Em 2009, a Assembleia da Organização para Segurança e Cooperação na Europa, um órgão que inclui todos os países europeus, todos os países que fizeram parte da União Soviética, EUA, Canadá e Mongólia, aprovou uma moção equiparando Stalinismo ao Nazismo, gerando protestos na Rússia. A pedra que Zizek havia cantado quatro anos antes.
Em nenhum dos casos a extrema-direita buscou a reabilitação dos seus símbolos, ao contrário, ela buscou a criminalização dos símbolos da esquerda radical, que a combateu radicalmente. Trata-se de um giro semiótico importante e sofisticado, pelo qual o neofascismo europeu buscou a normalização por meio de uma situação anômica, onde as coisas se nivelam na proibição.
A anomia, desde São Paulo em suas famosas cartas, é um assunto central no Ocidente, pois ele não é nem está fora da norma, mas sua própria subversão.
É um argumento mais fácil: a extrema-direita não pretende se normalizar buscando uma difícil absolvição histórica, mas apontando que todos são maus e, portanto, é preciso tolerar a todos. Os liberais, nesse sentido, se tornam aliados involuntários, pois imaginam que nivelar os “comunistas” — e semioticamente toda a esquerda — aos nazistas lhes permitiria interditar moralmente a todo campo político, quando o resultado é, na verdade, inverso: a extrema-direita, ao contrário, entra no jogo, não “sai junto”.
De repente, começaram a aparecer comparações entre Comunismo e Nazismo — e como militantes e intelectuais de esquerda “ajudariam” a extrema-direita sob os auspícios da nivelação, via vulgata arendtiana que um presidente de extrema-direita soltou dias antes para não precisar se explicar. Sobretudo despertados depois que parlamentares de esquerda tuitaram sobre os 150 anos de Lenin.
A astúcia Bolsonarista depura o próprio campo, joga grande parte da direita para a esquerda, ou para a condição de traidores e ao mesmo tempo cinde acirra a concorrência entre a oposição alargada que ele mesmo criou. Como no caso brasileiro, além da estratégia da extrema-direita global de autonormalização pela anomia, soma-se a astúcia Olavista aprendida nas fileiras do Partidão de depurar o campo e se livrar de postulantes.
Vejamos que o caso dos nossos liberais termina por ser mais miserável do que seus contrapartes europeus ou americanos, uma vez que os liberais ao anormalizarem os comunistas, estão se anormalizando também, pois aqui, a extrema-direita os jogou num balaio comum como a esquerda — e o mesmo se pode dizer da esquerda moderada, que quanto mais abjura o comunismo, sem querer querendo, está criando as condições para sua própria interdição.
Se fossemos demonstrar logicamente, é evidente que a comparação entre Comunismo e Nazismo é uma falácia. Comunismo e Nazismo se opuseram no campo de batalha da Segunda Guerra Mundial com a vitória do primeiro, às expensas da morte de milhões de cidadãos soviéticos e de incontáveis militantes comunistas — muitos dos quais vítimas da repressão nazista dentro da própria Alemanha.
Ainda que se diferencie “Stalinismo” de “Comunismo” é salutar questionar algo bastante simples: se houvesse tanta convergência assim, por que a União Soviética, sob comando de Stálin, não fez parte das Forças do Eixo, ao contrário, as confrontou? Isso não equivale a se fazer uma defesa do Stalinismo ou nutrir por ele maiores simpatias.
Nem nos piores momentos da União Soviética nos anos 1930 seria cabível, vejamos só, uma comparação com o Nazismo: enquanto havia leis protetivas para judeus e ciganos na União Soviética do período, as mesmas etnias eram colocadas em campos de concentração alemães. E isso mesmo Isaac Deutscher, insuspeito de simpatias por Stálin, atesta na sua biografia do ex-líder soviético.
Igualmente, Winston Churchill jamais foi acusado de genocida por sua política colonial na Índia, embora ela tenha resultado em mortes. Não é o caso, contudo, de santificar Churchill, mas não seria o caso de equipara-lo a Hitler: e graças a ele e Stalin, ao fim, o nazismo acabou derrotado. Mas há uma questão de pesos e medidas iguais ignorados por intelectuais liberais.
Ainda, nem Lenin é ditador ou tão ditador quanto foi Abraham Lincoln nos Estados Unidos, indo às últimas consequências para combater a servidão e liberar os oprimidos nas centenas de milhares de mortos decorrentes da Guerra Civil.
Do mesmo modo, não é a existência de uma esquerda radical ou do socialismo real que ajuda a extrema-direita, do contrário, o fenômeno global de neofascismo visto hoje teria estourado nos anos 1970, não agora. Não há correlação nem concausalidade.
Todos esses dados históricos parecem distantes, no tempo e no espaço, mas eles precisam ser relembrados, em nome da verdade histórica e do combate à superstições que encadeiam o discurso da enfrentamento “moderado” do Bolsonarismo: quem fez a comparação entre Comunismo e Nazismo foi o próprio Bolsonaro, lembremos, e isso não tem a ver com o passado, mas com o futuro.
E nesse sentido, novamente, quem tem proposto moções de criminalização ao Comunismo por equiparação ao Nazismo, ironicamente são forças de extrema-direita que transitam em meios nos quais convivem neonazistas e figuras congêneres — como no nosso caso, integralistas.
NOVA REPÚBLICA COMO VERTIGEM
Não é que estejamos diante dos órfãos da Nova República Nova, como colocou em ótimo artigo Pedro Marin, mas que ao contrário: a Nova República nunca existiu como sistema estável, uma vez que seu reflexo nada mais do que a resultante da tensão de forças entre a democracia sem povo dos iluminados do PMDB — e depois do PSDB — contra a força dos movimentos sociais e dos sindicatos — não raro representado na forma concreta do Partido dos Trabalhadores ou em um petismo holístico.
O sujeito social que gerou o fenômeno político das Greves do Grande ABC corporificaram um sujeito político antagônico, o qual alcançou sua máxima fraqueza quanto encontrou sua máxima força, abdicando do papel antagônico para se supor governante de um fenômeno inexistente: o Nova República poderia existir com o PT contra, mesmo dentro, mas não com ele a favor. A história funciona de uma forma irônica e 2013 prova que a dialética ainda tem seu lugar no mundo.
Os próprios liberais que supunham precisar derrotar o PT para assumir o controle pleno da máquina descobriram que sem ele, ou com ele ferido de morte, igualmente as condições que permitiram mesmo um governo como o de FHC igualmente desaparecerem.
É bem mais complicado do que supor que o PT já nasceu morto, por um suposto “trade-unionismo”, sem analisar dialeticamente não apenas o Partido, em quarenta anos de ascensões, quedas, acertos, erros e tantas mortes anunciadas: inclusive fazer o mesmo em relação aos próprios sindicatos e entender como, talvez, grande parte da análise de Chico de Oliveira seja bastante atual e útil, entendendo que a cooptação dos sindicatos pelo capitalismo financeiro, na forma da administração de fundos de pensão, tem sido decisivo para a inflexão suicida do PT, que não sabemos se definitiva.
A Nova República é um vetor que dependeu do antagonismo do PT enquanto ele existiu, um regime de não-hegemonia, cujo embaralhamento serviu tanto para incrementos sociais quanto para a manutenção do status quo colonial em tempos adversos.
É a correlação de forças — muitas vezes a resultante da tensão de forças conflitantes — que não só geram como sustentam e delineiam instituições e fenômenos políticos, mas isso pode ser mais ou menos instável. Como na química. No caso da Nova República era instabilíssimo. E não foi o elemento radical que desmontou seu castelo de cartas. Muitíssimo pelo contrário.
Se alguém pensar em restabelecer a Nova República sem um elemento realmente antagônico, e os riscos que isso representa, espera-se que esteja mentindo ao defender o que defende, pois seria assustador saber que existe ingênua a tal ponto.
A FÁBULA ITALIANA
A Itália é um exemplo interessante do que nos aguarda. Derrotado o Fascismo, o país contava com um poderoso Partido Comunista, mas estava condenado a ser um país capitalista pelo ar da graça de Washington ao final da guerra. O país, contudo, em vez de entrar uma guerra civil como na Grécia, que padecia do mesmíssimo problema, se tornou uma democracia parlamentar que tolerava material e formalmente a presença comunista nas disputas eleitorais.
Enquanto isso, os socialistas italianos eram a menos relevante agremiação de centro-esquerda europeia, muitas vezes se aliando nacionalmente com a direita Democrata-Cristã. Mas os comunistas se acostumaram com o jogo parlamentar, enquanto ansiavam um dia com o comando nacional: ainda assim, governavam importantes cidades, a partir dos anos 1970, com a instituição de eleições regionais, governavam regiões importantes.
Nesse meio tempo, o PCI cria uma antidialética da capitulação: primeiro com o afastamento da ideia de revolução, depois com o isolamento de seus quadros revolucionários, um afastamento lento, gradual e calculado de qualquer relação orgânica com trabalhadores e a aceitação da ideia de desenvolvimento do capitalismo italiano.
Ora, no fundo, o PCI dizia que concordava com democratas-cristãos sobre desenvolver o capitalismo italiano, mas era um plus, pois não se contentariam “apenas nisso” — o que não era dito, era praticado, até que se tornou explícito com o “compromisso histórico” com um sentido difuso de “democracia”.
Pois bem, primeiro, as tendências mais radicais foram afastadas do jogo parlamentar italiano pelos próprios comunistas, mas quando tomaram força nas ruas e sindicatos, muitas vezes de forma autônoma, passaram a ser perseguidos mesmo lá: o sequestro e assassinato de Aldo Moro, pela ação voluntarista e temerária das Brigadas Vermelhas, serviu como uma luva para a repressão.
Intelectuais como Toni Negri, que estavam ligados à oposição extraparlamentar, foram perseguidos e presos. Eram anos de chumbo literais, sob uma democracia parlamentar regular, com inúmeras cadeiras ocupadas por deputados comunistas.
Comunistas estavam lá, bem satisfeitos com o espaço parlamentar que tinham. Mas estranhamente a queda da URSS conduziu ao encerramento do PCI. Por que um partido que não seguia o modelo soviético iria encerrar suas atividades após a queda soviética? Talvez pela ameaça comunista ter desaparecido com a necessidade de uma agremiação não-comunista, embora chamada comunista, precisa existir com esse nome?
O que era encenado como luto e autocrítica escondia a ideia de muitos dirigentes do PCI: mudar de nome e se unir com o Partido Socialista, com quem interessasse lá. Nascia o Partido Democrático de Esquerda — que anos mais tarde retirou o “de Esquerda” do nome. Pode-se dizer: a estratégia deu certo, pois pela primeira vez a esquerda governou a Itália, vencendo duas eleições. Mas nas duas, a centro-esquerda não passava apenas do anti-Berlusconismo. Assim como hoje é apenas o Anti-Salvini.
Moral da História: quanto mais a esquerda italiana recuou, nos gestos e nas práticas, mais a direita avançou e se radicalizou. Voltemos ao Brasil: o exemplo italiano, algo próximo da nossa realidade, serve de bom conselheiro.
POR FIM
O anticomunismo surge como ideia-força do novo Brasil. Não precisa nem ser mencionado. Por sinal, o anticomunismo é especialmente forte onde não há um movimento comunista forte, mas isso não consiste em um idealismo: é uma antecipação de movimento. A noção de comunismo é o elemento antagônico que assombra o sistema e precisa ser praticado justamente antes que isso aconteça, o que tornaria essa operação mais difícil.
O confronto ao anticomunismo passa inclusive pelo combate deste no interior do próprio movimento comunista internacional, seja na Itália ou mesmo no Brasil.
Portanto, a denúncia que um Jones Manoel realiza nesse sentido é sim importante, independentemente da posição que se possa em ter em relação a ele: um liberal esclarecido como Caetano Veloso sabe disso muito bem, portanto, é de se estranhar que pensamento antagônico, negro, periférico, anti-imperialista, não-paulista de Manoel possa ser menosprezado nas fileiras da esquerda como um gesto de civilização.
O anticomunismo funciona hoje mais ainda do que o antipetismo, que ainda viceja: a oposição não ao que o PT é, mas o que ele pode ser — como forma de destruí-lo, seja pela via da capitulação ou do ataque às suas estruturas ou ambos ao mesmo tempo.
Não é estranho que liberais assumam isso, pois existe uma concordância central entre eles e o Bolsonarismo: o sistema econômico e a via política para sustenta-lo — e nesse sentido, por seu caráter Pinochetista, o Bolsonarismo explícita e aprofunda o elo secreto, porém igualmente óbvio, entre Liberalismo e Fascismo, na forma de uma teologia econômica comum.
Um ele que no Brasil inclusive é mais marcado por evidentes identidade de classe — comportando aí não apenas faixa de renda, mas elementos como raça, gênero etc.
A experiência de Bernie Sanders, com inúmeras limitações e enormes desafios nos coração do Império, ensina uma lição importante: a cada vez que Donald Trump buscou humilhar seus adversários como “socialistas”, ele só encontra reais dificuldades quando os socialistas americanos começaram a se assumir e atrair a seu favor os insatisfeitos com o trumpismo — a cada vez que Bolsonaro ataca seus adversários como comunistas, mas muitos deles, inclusive à esquerda, buscam se afastar disso, apenas referenda-se o parâmetro moral que o atual mandatário impõe ao jogo.
A experiência atual e vibrante de Sanders, como bem narra Marques no seu prefácio para Nancy Fraser, comporta algo que perdemos, isto é, uma animada e antagônica mobilização de caráter classista — antes da pré-candidatura de Sanders, há um movimento real e organizado, cuja derrota, ainda assim, coloca problemas para o capitalismo americano –, o que poderia ser mais potente ainda com uma articulação em torno de uma práxis ainda mais radical e incômoda.
No caso brasileiro, onde a nossa pobreza, o tamanho da nossa crise e a sofisticação do nosso maquinário colonial — onde uma oligarquia abastada ganha cada vez mais dinheiro, unida à oligarquia global, às expensas do próprio povo e recursos naturais –, nossa tarefa é mais urgente ainda.
O episódio Alvim é um momento chave, mais até do que o impeachment fraudulento de Dilma Rousseff, da vertigem nacional, pois demonstra que mesmo errando e expondo sua verdadeira natureza, ele pode avançar pela incapacidade antagônica do que deveria ser a “oposição” ou a “esquerda”: o Olavismo, que precisa ser mais bem estudado, funciona como um antídoto para tudo isso, uma vez que como tal é feito dos mesmos elementos daquilo que ele pretende neutralizar.
O mundo gira, mas não há ainda melhor caminho que unir os trabalhadores do mundo.
Trabalhadores, Uní-vos!